O susto vivido pelos 744 mil usuários da Unimed Paulistana após o
anúncio da medida que encerra as atividades da operadora não foi o primeiro
desse tipo no setor de planos de saúde. A cada ano, 14 operadoras, em
média, são obrigadas a repassar seus clientes devido a problemas financeiros e
de gestão, segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar),
responsável pela regulação do setor.
São casos de alienações, processos em que a ANS determina a
transferência dos usuários de uma operadora para outra devido à má situação
financeira da primeira. A ideia é evitar dificuldades para os segurados. São
situações em que, sem receber o pagamento combinado, hospitais, clínicas,
médicos e profissionais acabam por encerrar os contratos, e o usuário não
consegue agendar atendimentos.
Em 15 anos, 208 processos de direção fiscal –casos em que a agência
passa a monitorar presencialmente a situação de uma operadora– resultaram em
alienações. A boa notícia é que a frequência de medidas como essas,
consideradas drásticas, vem diminuindo –ao menos nos últimos três anos. Em
2013, foram 20 transferências, um número que caiu para oito em 2014. Neste ano,
foram seis. A ANS não informou dados dos anos anteriores.
Além da Unimed Paulistana, um dos casos recentes foi o da Fundação Santa
Casa de Belo Horizonte (MG), que tinha 100 mil usuários. Após a agência
determinar a alienação compulsória, os clientes foram transferidos para a
operadora Vitallis e o registro da Santa Casa foi cancelado, o que a impede de
voltar a vender planos de saúde.
Em geral, os casos de transferência de clientes ocorrem após serem
tomadas outras medidas para tentar resolver a situação da operadora. Nos últimos 15
anos, foram 774 processos de direção fiscal, espécie de lupa feita pela ANS nas
contas da empresa. O número, no entanto, pode considerar mais de um
episódio por operadora. A Unimed Paulistana, por exemplo, passou por quatro
desses processos desde 2009.
Atualmente, 56 operadoras estão sob essa lupa, de acordo com dados da
ANS. Embora o número pareça baixo frente às 1.187 operadoras atuantes no
país, juntas elas somam 3,2 milhões de usuários de planos de saúde. Entidades
que representam empresas de planos de saúde evitam comentar casos como o da
Unimed Paulistana, mas apontam alguns fatores para o "desequilíbrio"
vivido por algumas delas. Entre eles, segundo a FenaSaúde, está o aumento
nos gastos em saúde devido à incorporação tecnológica e ao envelhecimento da
população, o que gera maior demanda no sistema.
Antônio Carlos Abbatepaolo, da Abramge, cita ainda a variação do dólar,
que afeta os preços de equipamentos hospitalares, e a alta regulação do setor,
com controle do reajuste de preços e contratos. Para ele, casos
como o da Unimed Paulistana "são pontuais" – em geral, diz, situações
de intervenção são mais frequentes em operadoras pequenas, com menor margem de
reserva financeira. "A maioria das empresas que possuem direção
fiscal é de empresas com menor número de beneficiários."
A advogada Renata Vilhena, especialista em saúde, vê os casos com
preocupação. Ela recomenda que os usuários fiquem atentos a problemas no atendimento, como
descredenciamento de médicos e dificuldade em obter respostas da operadora. "Se
isso ocorrer, ele deve se prevenir e tentar mudar de operadora. E sempre
documentar tentativas e negativas", explica a advogada.
Clientes dos extintos planos de saúde da Unimed Paulistana são
assediados com propostas de troca de empresa. O Procon alerta que, na
transferência gerida pela ANS, usuário terá a garantia de mensalidade similar. Após
o anúncio da medida que, na prática, significa o fim dos planos de saúde da
Unimed Paulistana, usuários têm lidado agora com o assédio das corretoras de
saúde.
Sem se identificar como jornalista, a reportagem conversou com algumas
para saber as ofertas de planos individuais. Ouviu propostas de
"troca" para Amil, Intermédica e Transmontana, a custos de R$ 199 a
R$ 588 mensais para serviços básicos. O motivo do lobby está nos números:
ao todo, a Unimed Paulistana, que existe desde 1971, tem 744 mil clientes. A
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) determinou que eles sejam
transferidos para outro gestor.
Inicialmente, a Unimed Paulistana tem até o início de outubro para
fechar um acordo e repassar os clientes. Se isso não ocorrer, a ANS deve fazer
uma oferta pública para que outras operadoras apresentem propostas. Em meio ao impasse,
administradoras de benefícios que possuem clientes com planos da Unimed
Paulistana começam a planejar alternativas para manter os usuários.
A Qualicorp, por exemplo, que tem 160 mil deles, a maioria ligada a
entidades ou associações de profissionais, tem enviado kits aos usuários em que
afirma ter fechado acordo com a Unimed Fesp (Federação das Unimeds do Estado de
São Paulo) para possível troca de operadora, "com rede médica, coberturas
e preço similares".
Procurada, a Fesp não comentou o acordo e disse que o caso é acompanhado
pela Unimed do Brasil, que representa o conjunto de operadoras com a marca
–cada Unimed tem gestão e até mesmo rede de serviços diferente. Em nota, a Unimed
do Brasil diz que "está trabalhando junto à ANS e com as operadoras do
sistema Unimed para propor alternativas e garantir medidas administrativas que
assegurem o atendimento aos beneficiários".
A ANS diz que o usuário tem autonomia para decidir sobre possível troca
de plano antes do fim do prazo de alienação da Unimed Paulistana. Segundo a agência,
a operadora tem obrigação de garantir o atendimento até que a transferência
seja concluída –para isso, é recomendado manter as mensalidades em dia, afirma
a agência.
O Procon-SP orienta usuários a esperar o prazo de 30 dias para que
possam comparar as ofertas existentes com a rede do plano para o qual podem ser
transferidos. Isso porque, na transferência, o usuário tem direito a rede de serviços
e mensalidades similares às anteriores. Nesse caso, também não há carência
–em algumas situações, como a de clientes que recebem atendimento para doenças
já existentes, a espera para obter alguns serviços em um plano novo pode chegar
a dois anos. Enquanto alguns usuários lidam com o assédio, outros vivem
uma incógnita em relação ao atendimento.
Fonte: Folha de S.Paulo: 13.09.15